A ESSENCIAL ARTE DE PENSAR

Este livro surgiu de uma indagação. Ao longo do ano de 2003 eu estava realizando a inevitável peregrinação junto às principais editoras do Rio de Janeiro e de São Paulo visando encontrar um editor disposto a “apostar” na publicação do meu primeiro livro. Após nove meses de gestação intelectual o meu primeiro “filho” havia nascido e eu precisava fazê-lo percorrer o mundo. Com os originais debaixo do braço lá fui eu em busca da sonhada publicação.

Depois de percorrer algumas editoras sem obter sucesso, deparei-me com o diretor de uma pequena editora que disse ter gostado da idéia, mas que não sabia se deveria publicá-lo devido a uma dúvida que o deixava inseguro, qual seja a incerteza sobre a que público se destinava o livro. Expliquei que se tratava de uma obra que tinha por objetivo despertar o interesse do leitor para o hábito de pensar criticamente. Após o esclarecimento necessário, ouvi a seguinte indagação: mas quem afinal pensa nos dias de hoje? Daí surgiu uma interminável discussão sobre a verdadeira utilidade do pensamento para o dia-a-dia das pessoas. Felizmente consegui convencê-lo sobre a pertinência da obra e o livro foi publicado no ano seguinte.
Aquele episódio despertou em mim indisfarçável angústia, já que todo escritor pretende que a sua obra seja lida, para ser criticada e/ou elogiada. O livro em questão aborda temas relacionados à condição humana, além de analisar como o homem contemporâneo lida com o seu ego. O livro acabou por despertar o interesse do leitor, o que me fez participar de palestras e debates em diversas cidades. Em cada lugar por onde andei pude perceber o interesse de pessoas que se mostravam fascinadas com as nuances da condição humana. Foi então que recordei a indagação do meu editor. Mas afinal quem tem o hábito de pensar criticamente? Por outro lado, percebi que o utilitarismo da vida moderna nos leva a pensar sem refletir, o que me fez lembrar Sócrates, pensador grego que foi julgado e condenado à morte justamente por incitar as pessoas ao hábito da reflexão. Será que passados mais de dois mil anos desde a ocorrência deste lamentável episódio o homem ainda prefere a opção pelo não pensar? E o que é o não pensar senão o hábito de pensar superficialmente? Leia mais deste post

Novo livro

No fim deste mês será lançado meu livro “A Essencial Arte de Pensar”.
Gostaria de compartilhar algumas declarações do público a respeito de meu novo trabalho.

“O autor escreveu este ensaio em um lugar privilegiado, a serra de Petrópolis, um quase paraíso onde reside atualmente. Foi nesse cenário de natureza deslumbrante e ambiente propício à reflexão que José D. Matos nos brindou com um texto que valoriza a arte de pensar. Leiam e aproveitem o que de melhor se pode extrair deste livro, observando no decorrer da leitura (no sentido mais profundo das palavras) se não tenho razão.”
JORGE VIDOR
Jornalista do Jornal O Globo / Globo News

 

“Não consigo imaginar companhia melhor para um bom vinho, do que a
leitura deste livro”.
FRANCISCO JOSÉ CUNHA (Franzé)
Vice-presidente da Artplan

 

“Podemos pensar rápida ou lentamente. E agir pelo instinto ou pela reflexão. O instinto é uma característica inerente à condição de todos os animais. Mas a reflexão é uma característica que somente o homo sapiens, educado e lúcido, possui”.
ANTONIO CARLOS PORTO CONÇALVES
Economista / Fundação Getúlio Vargas

A BUSCA DO HOMEM GREGO PELA VIRTUDE

Em razão das constantes ameaças dos inimigos da Pólis, as elites militares e patriarcais governavam detendo certos privilégios, pois eram responsáveis pela conquista de novos territórios e/ou pela defesa contra possíveis invasores. Nesse tipo de organização social mandava quem tinha a “virtude” (em grego, Areté), entendida como excelência no combate e na guerra, além da capacidade de liderança. Essa excelência era o máximo que alguém podia alcançar, entendida com a glória em vida, uma garantia de imortalidade neste mundo. Essa mesma elite, detentora da virtude, era aliada à nobreza patriarcal, os detentores da riqueza material representada pela posse de terras. Os detentores dessa riqueza financiavam as guerras de conquista e defesa, além de deter o poder decisório no Conselho de Governo, (Bulé). Assim, no início da cultura da Pólis, somente o patriarcado aristocrata e a elite militar podiam exercer a Areté (virtude, excelência). Leia mais deste post

A Filosofia (Os Gregos e a Primeira Revolução do Pensamento)

No grego, a explicação para a origem do cosmos e do homem, por exemplo, era dada por uma cosmogonia que tinha seu alicerce na crença na divindade. A palavra cosmogonia vem do grego cosmos, que significa mundo ordenado, organizado e harmonioso. E a palavra gonia, significa geração, nascimento. Portanto, essa cosmogonia pretendia dar uma explicação do mundo por meio da crença na ação dos deuses. Ou seja, por meio de uma teogonia, pois Theos significa em grego tudo aquilo que se refere à divindade e aos deuses. Mas apesar da ampla aceitação do mito, restavam aos antigos gregos perguntas difíceis de serem respondidas, tais como: Como aceitar as situações de adversidade do cotidiano às quais a sociedade grega estava submetida se isso era desejo dos deuses? Por que os deuses permitiam que essas adversidades acontecessem? Por que o poeta-rapsodo não conseguia dar uma explicação plausível para esses acontecimentos? Se os soldados gregos eram tão destemidos e corajosos, por que então perdiam algumas batalhas contra os inimigos da Grécia? De onde vinham os deuses? E os homens? E os fenômenos da natureza? Eram perguntas que não encontravam respostas satisfatórias no mito. E Platão sabia disso.
Foi nesse cenário de incertezas que a filosofia surgiu, como um norte para orientar o homem grego no caminho da razão (em grego logos), já que o mito não explicava o que precisava ser compreendido. Assim, a sociedade da antiga Grécia passou a ver a prática filosófica como uma forma de tentar compreender os desígnios dos deuses e da natureza. Essa constatação é fundamental para que seja possível compreender a importância que os antigos gregos davam à prática da reflexão. A tentativa de explicação do mito foi a primeira manifestação do pensamento humano organizado racionalmente. Portanto, com a filosofia surgia uma forma de pensar e refletir sobre o pensado. A esse desvelamento os gregos denominavam aletheia (verdade). A partir desse momento o homem grego descobriu que tinha a capacidade de raciocinar e que podia compreender os fenômenos do mundo sem lançar mão de crenças e mistérios. Estava semeado o terreno que permitiria o florescimento do conhecimento racional. Os frutos da árvore do conhecimento se converteriam em arte de pensar. Conforme afirmou o escritor alemão Goethe (1749-1832), “entre todas as nações foram os gregos aqueles que de forma mais bela sonharam o sonho da vida”. Para eles, o sonho da vida era o sonho de alcançar o verdadeiro conhecimento. Todos nós devemos aos gregos o hábito de pensar e refletir sobre o pensado, traço fundamental da prática filosófica.
A palavra filosofia traduz esse sentimento (do grego philein , que significa amor; e sophia, que significa sabedoria) de curiosidade pelo saber, ao mesmo tempo em que se configura como uma escolha de vida e uma opção existencial. A prática filosófica na antiga Grécia nasceu da necessidade de explicar o mito de forma racional, procurando refazer as narrativas dos poetas. Não que o relato dos poetas, notadamente em Homero, fosse desprovido de racionalidade, mas como meio para obter respostas confiáveis para dúvidas que o mito era incapaz de revelar. Tratava-se, portanto, de uma explicação absolutamente inovadora acerca da realidade do mundo. Enquanto o mito tinha o seu foco narrativo no passado longínquo, a filosofia pretendia oferecer uma explicação racional quanto às causas dos acontecimentos no passado, as conseqüências delas no presente e as possíveis ocorrências no futuro. Enquanto o mito se preocupava com genealogias entre as forças divinas sobrenaturais e personalizadas, a filosofia se propunha a oferecer uma explicação natural das ocorrências do mundo lançando mão de argumentos capazes de determinar as causas naturais e impessoais desses acontecimentos. Enquanto o mito se manifestava por meio de uma cosmogonia, a filosofia se fazia propondo uma cosmologia. Ou seja, um conhecimento racional da ordem da natureza. A palavra cosmologia vem do grego cosmos (mundo ordenado) e da palavra grega logos, que significa pensamento racional, ou conhecimento racional. Portanto, a filosofia pretendia oferecer uma explicação racional para os fenômenos da natureza, ao mesmo tempo em que procurava compreender as aflições e as angústias humanas.

A REALIDADE E O MITO – A PRIMEIRA REVOLUÇÃO DO PENSAMENTO

A trajetória do pensamento humano no Ocidente começa acerca de três milênios nas cercanias do Mar Egeu, região povoada por tribos que viviam em guerra. Esses conflitos, notadamente a invasão das tribos dóricas vindas da Ásia central, em torno de 900 a 750 a.C. acabaram gerando um processo de unificação cultural do território, que resultou na formação das Pólis, cidades-Estado que compunham a comunidade grega naquela região. A antiga Grécia também contava com as colônias do Mar Mediterrâneo, que tiveram importante papel no surgimento dos primeiros pensadores do mundo ocidental. As Pólis gregas formaram a Elades, região formada por Creta, Corinto, Esparta, Tebas, Micenas, Atenas, Mileto, Jônia, e outras localidades, região que mais tarde passou a se chamar genericamente por Grécia.
A unidade da Elades se dava por meio da língua, da cultura, dos hábitos e das tradições mítico-religiosas. A diferença entre a Elades grega e o restante da região do Mediterrâneo, é que o governo das Pólis era exercido por Conselhos (Bulés), onde as decisões eram discutidas e votadas, enquanto que nas outras cidades o governo era exercido pelos reis. Entender essa diferenciação é importante porque demonstra que somente na Grécia antiga havia governos democráticos, enquanto em outras regiões o que prevalecia eram formas totalitárias de governo. Portanto, o pensamento crítico teve início em uma atmosfera de relativa liberdade, pois se não há liberdade não pode haver pensamento crítico. Uma coisa se alimenta da outra. A história da humanidade revela que a opressão e o totalitarismo são absolutamente incompatíveis com a liberdade de pensamento. E o pensamento livre só pode florescer num ambiente de convivência democrática.
Antes da formação da Elades, a região que tomaria o nome de Grécia era habitada por povos com diferentes formas de cultura, notadamente nas cidades de Creta, Minos, Tirento e Micenas. Esses povos exerceram forte influência cultural nos hábitos das futuras Pólis gregas. Outros povos, como os egípcios, persas, caldeus e babilônios também exerceram forte influência sobre a cultura grega da época. As Pólis eram permanentemente ameaçadas por invasões como, por exemplo, a dos Dórios e mais tarde por outros povos bárbaros, notadamente os Persas. Essas invasões foram desastrosas para a economia e a cultura grega em todas as fases de hegemonia na região. Isso porque suscitaram a perda da escrita e determinaram que a educação passasse a ser feita por meio da tradição oral. Outra conseqüência nefasta dessas invasões foi o surgimento da primeira diáspora grega, devido à expulsão de grandes contingentes de pessoas de Atenas em direção a outras cidades da região. Com isso a democracia grega passou por um processo de desagregação e recuperação, como resultado das vitórias e/ou derrotas nessas guerras.
A cultura grega era rica e criativa, mas vivia ameaçada por inimigos invejosos e ameaçadores. Além disso, a ameaça dos inimigos era permeada por outro tipo de problema, o medo das epidemias que dizimavam milhares de vidas, forças naturais que atuavam de forma silenciosa e que reafirmavam a imprevisibilidade das tragédias, como que para lembrar aos gregos que a vida é frágil, mas ao mesmo tempo preciosa. Tudo isso impactou no modo com os antigos gregos pensavam e agiam.
A tradição cultural grega tinha no mito o seu principal alicerce. Todos faziam parte dessa cultura, ricos e pobres, governantes e governados. O mito era aceito naturalmente, pois era visto como a própria visão de mundo da comunidade grega. O pensamento mítico pressupunha adesão e aceitação a essa tradição, pois os gregos acreditavam que tudo o que ocorria em suas vidas advinha dos deuses. Para eles, a natureza, o homem e a própria sociedade eram governados pelos espíritos, pelo destino e pelos deuses.
A palavra mito vem do grego mythos e deriva do verbo mytheyo, que significa narrar ou contar alguma coisa para outros. E também do verbo mytheo, que significa anunciar, designar ou nomear. Portanto, o mito estava baseado na autoridade e confiabilidade de quem narrava ou relatava alguma coisa referente ao passado. E quem relatava o mito na antiga Grécia era o poeta-rapsodo, aquele que fora “escolhido” pelos deuses ou por quem testemunhou os acontecimentos em um passado remoto. Portanto, o mito era sagrado e inquestionável, porque provinha de uma revelação divina. O poeta grego Homero, no poema Ilíada, relata que na guerra entre Atenas e Tróia, certas batalhas eram vencidas algumas vezes por um dos lados, outras pelo outro, de acordo com a vontade ou o humor dos deuses. Os gregos aceitavam esse tipo de relato como uma verdade. Na Ilíada, a paz do mundo na verdade é uma constante guerra entre os homens e a natureza, em que os combatentes se apropriam de grãos e frutas dos fazendeiros como se fossem espólios de guerra. Ou seja, tudo era válido para alcançar a vitória nos combates, pois essa era a virtude grega. No ideal homérico, a vida é uma eterna batalha onde somente os fortes sobrevivem. Ou seja, competir pela vitória era o ideal homérico, não importando os métodos e os custos envolvidos. Tudo isso com a devida complacência dos deuses. Homero enaltecia a virtude guerreira dos gregos, por isso era amado e respeitado por todos que o viam como o mais sábio dos homens.
Platão combatia esse tipo de pensamento e pretendeu destituir os deuses de qualquer personalidade, imunes à lascívia, à fúria, à inveja. Enquanto Homero se ocupava de enaltecer as qualidades humanas dos deuses, Platão era obcecado pela salvação dos homens e lutava contra a personalização desses deuses. Essa não era apenas uma disputa pessoal, mas uma luta da razão contra a força do mito. Este foi sem dúvida o primeiro grande embate de idéias de que se tem notícia na antiguidade grega. Mesmo considerando a importância da atitude de Platão diante da cumplicidade dos poemas homéricos com o status quo da época, Homero foi, e sem dúvida continua sendo, um dos grandes mestres da cultura ocidental, tendo influenciado toda a nossa literatura e se tornado fonte de inspiração para poetas, escritores e filósofos.

O Espírito Livre

 Outro pensador contemporâneo importante, que dedicou suas reflexões ao tema, é o historiador inglês Tony Judt (1948-2010), que resume suas preocupações na seguinte afirmação: “Somos chamados hoje para um combate: Precisamos resgatar o pensamento crítico e abandonar o comodismo intelectual”. A filósofa norte-americana Martha Nussbaum, da Universidade de Princeton, alerta para essa verdadeira catástrofe da modernidade quando diz: “Não precisamos de máquinas treinadas tecnicamente (os computadores de última geração), precisamos de pessoas que sejam capazes de pensar claramente, analisar um problema e imaginar algo novo”. Ou seja, precisamos de pessoas com espírito livre que estejam treinadas para exercer o pensamento crítico visando apontar novos caminhos para velhos dilemas humanos.

A Essencial Arte de Pensar – parte 7

A famosa frase proferida pelo filósofo racionalista René Descartes sintetiza o propósito deste ensaio: “Penso, logo existo”. Somente o ser humano é capaz de aprender a pensar e usar este aprendizado a seu favor. Mas a frase poderia ser invertida para que pudéssemos ver a questão sob outro aspecto. Assim, diríamos: “Existo, logo penso”. No Discurso do Método,René Descartes propõe a prática da arte de pensar, afirmando: “Eu sempre tive um imenso desejo de aprender a distinguir o verdadeiro do falso, para ver claro nas minhas ações e caminhar com segurança nesta vida”. Para Descartes, a filosofia é o estudo da sabedoria, conhecimento perfeito de todas as coisas que os humanos podem alcançar para o uso da vida, a conservação da saúde e a invenção das técnicas e das artes. Ainda segundo ele, o pensamento é toda e qualquer atividade do espírito. O filósofo Platão também tinha uma crença semelhante, pois dizia que é preciso ir além das aparências para chegar à essência das coisas. Sócrates dizia que o pensamento reflexivo leva o homem ao “bem viver”.

Conforme afirmou um dos mais importantes filósofos contemporâneos, Maurice Marleau-Ponty, “a verdadeira filosofia é aquela que ajuda o homem a reaprender o mundo”. Como fazer isso? Por meio do hábito de pensar e refletir. Epicuro afirmava que “não se deve fingir que se filosofa, mas sim filosofar para valer”. Como é possível isso? Pensando, questionando e refletindo sobre o pensado, todos os dias, sempre. É por isso que a filosofia é tão desprezada, pois dá muito trabalho e requer atenção e reflexão.

Ao mesmo tempo em que usamos a razão para refletir, também experimentamos a sensação. O pensador brasileiro Leonardo Boff afirma que “a estrutura central do ser humano não é a razão e sim o afeto”, corroborando as teses do filósofo britânico David Hume sobre a humanização da filosofia. Algumas correntes filosóficas defendem que não há nada que a razão possa produzir, que antes não passe pelas sensações (John Locke). Outras, mais atuais, afirmam ser a linguagem a grande responsável pelo processo do pensamento (Wittgenstein e seguidores). Alguns afirmam que são os fenômenos do mundo que produzem a forma como pensamos e agimos (Husserl e seguidores). Nietzsche dizia que é preciso não dissociar o pensamento de uma prática, pois não existe distinção entre pensar, ser e agir. Ao contrário do que pensava Kant, Nietzsche acreditava que a vida não possui valores morais intrínsecos, pois são os homens que dão significado à vida que, para ele, é semelhante a uma criação artística livre, sem predeterminações. Ou seja, a vida é um imenso campo de infinitas possibilidades, onde autor e obra estão num permanente processo de auto-criação. O filósofo francês Henri Bergson defende que o ato de pensar é antes de tudo intuir. Ao contrário do que possa parecer à primeira vista, não há nenhuma contradição entre as idéias desses pensadores, são visões distintas que se complementam. É justamente as diferenças que nos ajuda a refletir criticamente.

Tudo isso nos faz voltar a Descartes, para lembrar que em alguns momentos a filosofia produz “idéias de chumbo”, e em outros, “possui asas”. Donde se conclui que a filosofia abrange quase todas as áreas do conhecimento humano, pois é capaz de despertar a sensibilidade dos homens para questões fundamentais acerca de sua existência. Com muita observação, abstração e até mesmo imaginação, porém sem perder a fé na razão e nos sentidos. Mas para isso é preciso ter um “espírito livre”, como dizia Nietzsche. O filósofo contemporâneo francês, Michel Foucault, acreditava que para filosofar é preciso utilizar “uma caixa de ferramentas”. Dizia ele: “O trabalho de escavação sobre nossos pés caracteriza o pensamento contemporâneo, desde Nietzsche, e neste sentido posso me declarar filósofo”. Portanto, temos que ter consciência de que a filosofia, tanto quanto a vida, é um combate constante, uma construção, um exercício pleno de continuar subindo o morro rumo ao pico (o conhecimento), mesmo sabendo que podemos escorregar, cair e ter que começar tudo de novo, conforme revela a alegoria mitológica de Sísifo.

Como filosofar é pensar criticamente, esta disciplina se torna essencial para aqueles que priorizam o saber, mas que também não abrem mão de compreender os fatores que afetam o cotidiano das pessoas. Infelizmente meu primeiro editor talvez nunca tivesse refletido sobre tudo isso. Não por alienação ou negligência, mas por absoluta falta de disposição para pensar criticamente. O problema é que essa é a característica da maioria das pessoas no mundo utilitarista e consumista em que vivemos. Pensar é perder tempo. Como tempo é dinheiro, para que pensar? O sociólogo contemporâneo Zygmunt Bauman aborda magistralmente essa questão em seus livros, alertando para o mecanicismo da vida moderna e a indiferença do homem em relação à reflexão e ao pensamento crítico. Bauman chama atenção para o fato de que no mundo de hoje tudo que é sólido desmancha no ar. Ou seja, as relações humanas e o comportamento são “líquidos”, pois estão submetidos a um permanentemente estado de mudança e transformação. Os críticos de Bauman costumam atribuir certo grau de pessimismo à sua crítica, pois revela a impossibilidade do homem contemporâneo em conseguir superar suas contradições. Creio que não se trata propriamente de uma visão pessimista, mas de uma abordagem pautada pela reflexão crítica que leva a uma tomada de posição em relação à nossa atitude passiva diante da complexidade dos fatos sociais nos dias de hoje. Creio que a dificuldade que temos ao lidarmos com este fenômeno contemporâneo, se deve ao fato de que costumamos utilizar análises simplórias para tentar compreender acontecimentos complexos. Se os acontecimentos são complexos, devemos utilizar o pensamento complexo na tentativa de compreendê-los. Mas não é isso que costumamos fazer.

A Essencial Arte de Pensar – parte 6

Outra questão premente merece nossa atenção e reflexão. Há duzentos anos a civilização ocidental está alicerçada na crença do casamento perfeito entre crescimento econômico, justiça social e democracia política. Mas a questão ecológica, a explosão demográfica e as crises fiscais e monetárias, colocaram em cheque essa crença. Como será o futuro com a escassez dos recursos naturais? O que fazer para não inviabilizar a vida no Planeta? Sabemos que mesmo que haja constante crescimento econômico, o benefício desse crescimento não poderá ser usufruído pela maioria das populações, pois não haverá espaço para todos consumirem os bens produzidos para as classes mais abastadas. Quem defende essa idéia na prática está iludindo os desavisados. A atual candidata às eleições presidenciais na França, Marine Le Pen, dirigindo-se a um grupo de refugiados tunisianos, disse em alto e bom som: “Vocês não cabem na França!”. Discussões ideológicas à parte, o que ela quis dizer é que não há nem mesmo como garantir o futuro para os próprios franceses, quanto mais garantir oportunidades para imigrantes sem nenhuma qualificação profissional. A taxa de desemprego entre os jovens na zona do Euro já supera os 20%. Na Itália, Espanha e Portugal o problema é ainda maior. Trata-se de um problema que não atinge somente os franceses, mas toda a Europa. A questão dos imigrantes é uma bomba relógio pronta para explodir a qualquer momento. São questões polêmicas que precisam ser pensadas e repensadas por aqueles que não se contentam em aceitar a realidade sem um mínimo de reflexão. Proponho que o leitor pense sobre essas questões, pois este é um bom exemplo de como a filosofia pode ser aplicada ao nosso cotidiano.
Mas voltemos ao ponto de partida. Afinal, qual o caminho a percorrer diante de tantas estradas que levam à arte de pensar? Todos nós já temos o hábito de pensar, mesmo que superficialmente, mas que sabemos usar o pensamento para produzir idéias, mudanças e transformações? Em outras palavras, será que temos o costume de pensar criticamente? Quais os grandes pensadores da humanidade cuja obra melhor reflete a incansável busca humana pelo conhecimento? Conhecimento é sinônimo de sabedoria? Como chegar ao saber genuíno? E quanto ao critério de verdade? Qual a sua importância para a produção de um conhecimento legítimo? Como distinguir o verdadeiro do falso? O que é a mente? Temos almas não-físicas? A arte de pensar é um privilégio para poucos ou pode ser aprendida por todos aqueles que buscam compreender a vida? A resposta para essas e outras perguntas pode ser encontrada percorrendo a obra dos grandes pensadores da humanidade, notadamente aqueles que se dedicaram à tarefa de decifrar outra arte igualmente fascinante, a arte de pensar refletidamente. O presente ensaio pretende ajudar o leitor a compreender como e porque esses grandes pensadores se debruçaram sobre essa tarefa e qual o propósito de todo esse conhecimento. Ao final e ao cabo, espero poder contribuir para que o leitor possa fazer a sua própria leitura acerca dessas questões.

A Essencial Arte de Pensar – parte 5

Um grande pensador contemporâneo, o francês Paul Ricoeur, revela em seus livros a tarefa sutil da filosofia, que segundo ele é buscar nos trabalhos dos grandes filósofos aquilo que o nosso pensamento isoladamente não é capaz de alcançar. O presente ensaio pretende induzir o leitor a pensar “com” e “sobre” os grandes pensadores, para que possa pensar “para além” deles. O leitor quer um exemplo? Proponho que pensemos sobre uma questão absolutamente perturbadora concebida por um filósofo-economista contemporâneo, o alemão Hans-Hermann Hoppe, membro sênior do Instituto Ludwig Von Mises e presidente da Property and Freedom Society. Este pensador (um conservador?) dos nossos dias desafia a nossa crença nas instituições ao propor o fim do Estado e a criação de uma sociedade regida por leis privadas negociadas pelos cidadãos de forma livre e responsável, que seriam seladas em contratos entre seus signatários. Não se trata de uma tese inédita, pois o tema já foi abordado por sociólogos, economistas e cientistas políticos. Segundo a pregação de Hoppe, não haveria mais nações hegemônicas e protecionistas, mas milhares de cidades livres e independentes, como as conhecidas Mônaco, Hong Kong, San Marino, Liechtenstein e Cingapura. O comércio seria livre e as moedas seriam trocadas por meio da livre negociação. Não se trata da proposta de um pensador romântico, mas de um grande estudioso da contemporaneidade. Para Hopper, o Estado é o grande responsável por todas as mazelas que levam às crises financeiras vividas pelos países (capitalistas ou socialistas) atualmente, pois, por meio dos bancos centrais, o Estado pode imprimir dinheiro a seu bel prazer a pretexto de conter as crises. Quando tudo dá certo e a crise é debelada, o mérito é todo do Estado. Mas quando a intervenção na economia não funciona, os prejuízos são “socializados” por todos os agentes econômicos, ou seja, pelos contribuintes. Um exemplo bem atual dessa distorção é a crise fiscal dos países da zona do Euro. A débâcle da economia da Grécia, da Espanha, de Portugal, agora se alastra para outros países como, por exemplo, Itália e França. O problema desses países é de política fiscal mal gerenciada, pois, segundo ele, seus governos há décadas gastam mais do que deveriam, visando manter privilégios de classe de um modelo econômico baseado no chamado “Estado do bem-estar social”, que patrocina a gastança e depois transfere o ônus para toda a sociedade. O curioso é que isso não é privilégio dos europeus, pois os Estados Unidos vivem uma crise financeira muito parecida, pois o governo americano incentivou o endividamento das pessoas durante décadas, e agora não sabe o que fazer com os títulos imobiliários “micados” no mercado. A grande maioria do povo americano é inadimplente e as instituições financeiras que patrocinaram a gastança vivem a realidade da bancarrota. Outro ponto polêmico de crítica de Hoppe é o questionamento da própria democracia porque, segundo ele, nos dias de hoje ela é tão opressora quanto era a monarquia que a antecedeu. Segundo Hopper, os privilégios de função (os privilégios dos tecnocratas e dos políticos) que o Estado burocrático-autoritário propicia, são tão nefastos quanto aqueles utilizados pela antiga monarquia. A diferença é que no Estado moderno os privilégios são velados e camuflados por uma classe de burocratas que estão no poder e podem fazer coisas que nós, simples mortais, não podemos. As decisões não são discutidas com a sociedade, mas impostas em nome da “governabilidade”. O cidadão comum, por exemplo, não pode tomar o dinheiro de outro cidadão, pois se o fizer estará sujeito a punição. E, nesses casos, a polícia é de uma eficiência invejável. Mas o burocrata de plantão pode sutilmente criar dispositivos “técnicos” para se apropriar do dinheiro das pessoas por meio de impostos, taxas e confiscos, sem qualquer anuência prévia da sociedade, a pretexto de executar políticas “sociais” ou programas de redistribuição de renda (lembra do Plano Collor?). Ou mesmo a pretexto de fomentar o desenvolvimento econômico. No legislativo ocorre o mesmo, pois as leis são criadas, votadas e aprovadas por um grupo reduzido de políticos que decidem o que é certo e o que é errado, quase sempre à revelia da sociedade e a serviço dos interesses do Estado e, em alguns casos, em seu próprio interesse. E o judiciário, por sua vez, “interpreta” essas leis de acordo com os valores e crenças do julgador de plantão, que via de regra é um alto funcionário concursado, que tem seus valores, crenças e opiniões atrelados ao compromisso de ser fiel ao Estado que o emprega e garante a sua aposentadoria vitalícia. É claro que a democracia, ainda que imperfeita, é preferível a qualquer regime autoritário. Quanto a isso não há a menor dúvida. Mas isso não significa que o cidadão, que trabalha e paga os seus impostos, deva ficar alheio a decisões que impactam em sua vida. Não se trata de concordar ou discordar de Hoppe, mas de refletir sobre essas questões, pois a ingerência do Estado sobre as nossas vidas atinge níveis insuportáveis. Na prática, o que Hoppe sugere é que repensemos o conceito de liberdade nos dias de hoje. E que a sociedade discuta até onde está disposta a ceder a imposições que afetam a sua vida. Até que ponto estamos dispostos a aceitar a ingerência do Big Brother em nossas vidas? Devemos refletir sobre isso para que não nos transformemos em simples massa de manobra ao corroborar decisões sobre as quais não temos quase nenhuma ingerência. Se todo o poder vem do povo e em seu nome deve ser exercido, conforme afirma o ditame do conceito de democracia, então precisamos nos posicionar toda vez que uma decisão arbitrária atinge nossas vidas. Creio que é isso que Hoppe propõe em sua crítica. Se ele vivesse numa ditadura, certamente seria considerado um subversivo da ordem pública. Mas não foi exatamente o que aconteceu com Sócrates em plena  vigência da democracia grega?

A Essencial Arte de Pensar – parte 4

Não é preciso que o leitor esteja familiarizado com a linguagem filosófica para aproveitar o conteúdo deste ensaio. Muito pelo contrário, o texto se destina particularmente àqueles que de certo modo precisam se familiarizar com esse tipo de leitura, mas nunca tiveram a oportunidade de fazê-lo. Portanto, este livro direciona-se a leitores comuns, pessoas alfabetizadas, inteligentes e sensíveis que buscam aperfeiçoar seu modo de pensar, sem tecnicismos ou exegese. Com que objetivo? Para conhecer como é a vida na essência, como ela é “por dentro”. Neste sentido a filosofia se assemelha à poesia, pois também pode ser encarada como uma forma de arte. O poeta tcheco Rainer Maria Rilke, defendia que o objetivo do poeta não é explicar o mundo, mas “vê-lo por dentro”. Portanto, o poeta se assemelha a um cão “que não deseja atravessar o mundo com o olhar, à maneira de um sábio, mas se instalar dentro do mundo como se aninha em sua poltrona”. Rilke também costumava dizer que “a poesia é a língua dos deuses”. Como os deuses não falam, cabe à poesia falar por eles. A poetisa francesa Carol Ann-Duffy, disse certa vez que a poesia “é a música da condição humana”. Em minha opinião, se isso é verdade, então a filosofia é a partitura que dá consistência a essa música  e permite transmitir a arte do compositor. Mas se o prezado leitor, como eu, não tem talento para a poesia ou para a música, resta-lhe, portanto, a filosofia, para que possa “poetizar” em forma de conceitos filosóficos.
Minha tarefa neste ensaio pode ser resumida no esplêndido poema do século XVIII, The Rambler, do escritor e crítico literário inglês Samuel Johnson (1709-1784), diz ele: “A tarefa de um autor é ensinar o que não é sabido, ou recomendar verdades conhecidas, tornando-as mais belas, seja para permitir que uma nova luz ilumine a mente, abrindo a perspectiva de novas cenas, ou para variar a aparência e a situação de objetos comuns, a fim de lhes conferir nova graça e atrativos mais marcantes, espalhar flores sobre regiões que o intelecto já percorreu, a fim de que ele seja tentado a retornar e rever coisas pelas quais passara às pressas ou de modo negligente”. Este é um dos objetivos deste ensaio, promover releituras para  “espalhar flores” pelo caminho que pode levar a uma compreensão  mais inteligente do mundo e do homem.. O escritor modernista brasileiro Oswald de Andrade, via a poesia como “a alegria da ignorância que descobre”. Oswald era um crítico feroz da mediocridade e da ignorância. Ele acreditava que os escritores, tanto quanto os filósofos, são “trabalhadores desamparados” que têm como tarefa primordial saber o que querem, onde estão, para onde vão e como devem agir. Ou seja, escrever ou filosofar é antes de tudo uma práxis , um ato de coragem e engajamento na luta contra a mediocridade que domina o mundo. Foi o que pensei ao assistir à fala de Morin na TV.