A famosa frase proferida pelo filósofo racionalista René Descartes sintetiza o propósito deste ensaio: “Penso, logo existo”. Somente o ser humano é capaz de aprender a pensar e usar este aprendizado a seu favor. Mas a frase poderia ser invertida para que pudéssemos ver a questão sob outro aspecto. Assim, diríamos: “Existo, logo penso”. No Discurso do Método,René Descartes propõe a prática da arte de pensar, afirmando: “Eu sempre tive um imenso desejo de aprender a distinguir o verdadeiro do falso, para ver claro nas minhas ações e caminhar com segurança nesta vida”. Para Descartes, a filosofia é o estudo da sabedoria, conhecimento perfeito de todas as coisas que os humanos podem alcançar para o uso da vida, a conservação da saúde e a invenção das técnicas e das artes. Ainda segundo ele, o pensamento é toda e qualquer atividade do espírito. O filósofo Platão também tinha uma crença semelhante, pois dizia que é preciso ir além das aparências para chegar à essência das coisas. Sócrates dizia que o pensamento reflexivo leva o homem ao “bem viver”.
Conforme afirmou um dos mais importantes filósofos contemporâneos, Maurice Marleau-Ponty, “a verdadeira filosofia é aquela que ajuda o homem a reaprender o mundo”. Como fazer isso? Por meio do hábito de pensar e refletir. Epicuro afirmava que “não se deve fingir que se filosofa, mas sim filosofar para valer”. Como é possível isso? Pensando, questionando e refletindo sobre o pensado, todos os dias, sempre. É por isso que a filosofia é tão desprezada, pois dá muito trabalho e requer atenção e reflexão.
Ao mesmo tempo em que usamos a razão para refletir, também experimentamos a sensação. O pensador brasileiro Leonardo Boff afirma que “a estrutura central do ser humano não é a razão e sim o afeto”, corroborando as teses do filósofo britânico David Hume sobre a humanização da filosofia. Algumas correntes filosóficas defendem que não há nada que a razão possa produzir, que antes não passe pelas sensações (John Locke). Outras, mais atuais, afirmam ser a linguagem a grande responsável pelo processo do pensamento (Wittgenstein e seguidores). Alguns afirmam que são os fenômenos do mundo que produzem a forma como pensamos e agimos (Husserl e seguidores). Nietzsche dizia que é preciso não dissociar o pensamento de uma prática, pois não existe distinção entre pensar, ser e agir. Ao contrário do que pensava Kant, Nietzsche acreditava que a vida não possui valores morais intrínsecos, pois são os homens que dão significado à vida que, para ele, é semelhante a uma criação artística livre, sem predeterminações. Ou seja, a vida é um imenso campo de infinitas possibilidades, onde autor e obra estão num permanente processo de auto-criação. O filósofo francês Henri Bergson defende que o ato de pensar é antes de tudo intuir. Ao contrário do que possa parecer à primeira vista, não há nenhuma contradição entre as idéias desses pensadores, são visões distintas que se complementam. É justamente as diferenças que nos ajuda a refletir criticamente.
Tudo isso nos faz voltar a Descartes, para lembrar que em alguns momentos a filosofia produz “idéias de chumbo”, e em outros, “possui asas”. Donde se conclui que a filosofia abrange quase todas as áreas do conhecimento humano, pois é capaz de despertar a sensibilidade dos homens para questões fundamentais acerca de sua existência. Com muita observação, abstração e até mesmo imaginação, porém sem perder a fé na razão e nos sentidos. Mas para isso é preciso ter um “espírito livre”, como dizia Nietzsche. O filósofo contemporâneo francês, Michel Foucault, acreditava que para filosofar é preciso utilizar “uma caixa de ferramentas”. Dizia ele: “O trabalho de escavação sobre nossos pés caracteriza o pensamento contemporâneo, desde Nietzsche, e neste sentido posso me declarar filósofo”. Portanto, temos que ter consciência de que a filosofia, tanto quanto a vida, é um combate constante, uma construção, um exercício pleno de continuar subindo o morro rumo ao pico (o conhecimento), mesmo sabendo que podemos escorregar, cair e ter que começar tudo de novo, conforme revela a alegoria mitológica de Sísifo.
Como filosofar é pensar criticamente, esta disciplina se torna essencial para aqueles que priorizam o saber, mas que também não abrem mão de compreender os fatores que afetam o cotidiano das pessoas. Infelizmente meu primeiro editor talvez nunca tivesse refletido sobre tudo isso. Não por alienação ou negligência, mas por absoluta falta de disposição para pensar criticamente. O problema é que essa é a característica da maioria das pessoas no mundo utilitarista e consumista em que vivemos. Pensar é perder tempo. Como tempo é dinheiro, para que pensar? O sociólogo contemporâneo Zygmunt Bauman aborda magistralmente essa questão em seus livros, alertando para o mecanicismo da vida moderna e a indiferença do homem em relação à reflexão e ao pensamento crítico. Bauman chama atenção para o fato de que no mundo de hoje tudo que é sólido desmancha no ar. Ou seja, as relações humanas e o comportamento são “líquidos”, pois estão submetidos a um permanentemente estado de mudança e transformação. Os críticos de Bauman costumam atribuir certo grau de pessimismo à sua crítica, pois revela a impossibilidade do homem contemporâneo em conseguir superar suas contradições. Creio que não se trata propriamente de uma visão pessimista, mas de uma abordagem pautada pela reflexão crítica que leva a uma tomada de posição em relação à nossa atitude passiva diante da complexidade dos fatos sociais nos dias de hoje. Creio que a dificuldade que temos ao lidarmos com este fenômeno contemporâneo, se deve ao fato de que costumamos utilizar análises simplórias para tentar compreender acontecimentos complexos. Se os acontecimentos são complexos, devemos utilizar o pensamento complexo na tentativa de compreendê-los. Mas não é isso que costumamos fazer.